RELAÇÃO ENTRE O TRANSTORNO DE HUMOR BIPOLAR E MEDICAÇÃO:UM ESTUDO NA CIDADE DE PALMAS-TO
Nos últimos anos tornou-se freqüente ouvir comentários, em tom de crítica, de que uma pessoa “parece ser bipolar”, referindo-se a inconstância de seu estado de humor. Grande parte das pessoas que usa a expressão incorporada ao senso comum, entretanto, não se dá conta da gravidade do distúrbio a que se refere. O Transtorno de Humor Bipolar (THB) é uma doença mental crônica grave caracterizada por alterações de humor que se manifestam, com diferentes graus de intensidade, como episódios oscilantes entre a euforia, (denominada mania) e a depressão, podendo provocar conseqüências emocionais devastadoras tanto para o paciente quanto para aqueles que o cercam, principalmente se não diagnosticada e tratada adequadamente (BALLONE, G. J., 2008).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), na década de 90 o transtorno foi a sexta maior causa de incapacitação do planeta. A taxa de mortalidade também é alta e a razão mais freqüente entre os jovens afetados pelo THB é o suicídio. Cerca de 25 % dos adolescentes com THB apresentam comportamento suicida. Grande número de pacientes recorre ao álcool e drogas, o que agrava os sintomas. (OMS, 2009)Embora fatores ambientais tenham grande influência na deflagração das crises, é consenso entre pesquisadores (TUNG, T. C., 2007) que o distúrbio tenha fortes bases genéticas: estudos realizados em vários países como EUA e Inglaterra revelam que metade dos portadores tem um parente próximo com THB, e filhos de pessoas com a doença apresentam maior risco de desenvolvê-la. (TUNG, T. C., 2007)A Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, filiada á International Society for International Disorder (ISBD), estima que no Brasil podem existir até 15 milhões de pessoas com o problema. Ainda são poucos os profissionais de saúde que conhecem o quadro suficientemente bem e podem oferecer orientação adequada tanto para o paciente quanto para sua família (IBGE, 2007). O tratamento medicamentoso é fundamental e complexo, pois exige duas estratégias a profilaxia (prevenção das crises) e o controle dos sintomas agudos; o acompanhamento psicológico é fundamental para uma boa evolução à longo prazo (NETO, F. L., 2004).
CARACTERIZAÇÃO ETIOLÓGICA DO TRANSTORNO DE HUMOR BIPOLAR
Existem duas denominações utilizadas para o distúrbio: transtorno afetivo bipolar e transtorno bipolar do humor, o último é considerado atualmente o mais adequado. Essa diferença de nomenclatura se dá por causa dos conceitos de afeto e humor que são diferentes. De maneira simples, o primeiro se refere às emoções que surgem rapidamente diante da alteração de uma situação específica, como o surgimento da alegria diante de um presente que se ganha no Natal; tristeza ao saber que foi mal na prova; irritação quando o time adversário faz um gol ou medo quando uma dor surge de repente. Já humores se referem a estados emocionais mais prolongados que duram, horas, dias ou semanas e podem influenciar o modo de pensar e agir do indivíduo (BASTOS, J. L. D. & DUQUIA, R. P., 2007).O conceito de Transtorno Bipolar é centrado nas alterações de humor, um de seus pólos é o humor depressivo e o outro é o eufórico. Apesar disso, muitas outras funções cerebrais e extracerebrais sofrem mudanças, como as relacionadas ao ritmo biológico, ao controle dos movimentos corporais (com predomínio de agitação ou lentidão do corpo), das funções de memória e de concentração mentais, de impulsividade e de desejos e vontades. Inclusive do prazer (tanto de pequenas coisas da vida, cuidar da casa, hobbies )como de prazer sexual (ROHDE, K. A. & TRAMONTINA, S., 2007).
Embora o THB comporte quatro tipos de episódios patológicos, caracterizados como depressivo, hipomaníaco, maníaco e misto, pode ser considerado basicamente uma doença depressiva, pois a maioria dos pacientes passa grande parte da sua vida neste pólo da doença. Existem, porém, formas mais leves de manifestações desses episódios, nas quais se misturam características da própria pessoa, parecendo compor uma estrutura de base, um temperamento que se manifesta na infância ou na adolescência e se confunde com o jeito de ser do indivíduo (GUEDES, C., 2002).A depressão costuma ser deflagrada por uma perda significativa, como a morte de um ente querido, a perda do emprego ou uma desilusão amorosa, ou mesmo numa fase da vida extremamente estressante por causa do trabalho ou problemas familiares. Do ponto de vista clínico, a depressão afeta o modo do indivíduo pensar, agir e ser e deve ser encarada como um problema de saúde que afeta não só o cérebro e o estado psicológico, como também praticamente todo o organismo. Ela pode surgir no dia-a-dia como resultado de algo ruim que ocorreu, ou quando lembranças de fatos passados a provocam. Em gral, nesses casos, tem pequena intensidade e curta duração. O estado mais insistente, chamado de humor depressivo, contamina a percepção do que acontece naquele período. Este, geralmente está associado à uma perda, e costuma aparecer vinculado a um mal estar físico, como um resfriado ou com a fase pré-menstrual, além de sensações como inquietação, vontade de chorar, sensação angustiante de dor no peito ou de peso no peito.
ESTABILIZADORES DE HUMOR E PSICOTERAPIA
De acordo com Tung (2004) e Rodhe (2005), medicamentos são cruciais no tratamento de TB para diminuir a intensidade e o número de episódios do distúrbio. A necessidade dessa terapêutica pode ser justificada pela forte carga genética e biológica da doença. O uso correto de “ estabilizadores como o carbonato de lítio, tende a diminuir em até sete vezes a mortalidade (por suicídio, acidentes e doenças decorrentes de distúrbios imunológicos do organismo) de pacientes bipolares”(TUNG 2004, RODHE 2005, p.123). Para os autores (CORDIOLI, A. V. & COLS. 2005), os estabilizadores de humor devem ser introduzidos logo no início do tratamento e estar presentes em grande parte do tempo e só podem ser alterados ou retirados, se houver, claramente prejuízos importantes relacionados a eles.A medicação também deve ser prescrita para diminuir a instabilidade de funções psíquicas e corporais, como o sono e o apetite. Essa terapêutica básica deve ser avaliada como estratégia a longo prazo uma vez que seus resultados surgem claramente em meses ou até em anos, Durante as fases agudas, muitas vezes são utilizados antidepressivos, ou antipsicóticos e benzodiazepínicos nas fases maníacas e mista (MORENO, R. A. et all., 2004).Mas a farmacologia tem suas limitações, por isso mesmo a psicoterapia pode ter papel fundamental para ajudar a pessoa a se conhecer melhor, ficar mais atento a si aprendendo a reconhecer os sintomas. Outra função importante da psicoterapia é favorecer o comprometimento do paciente com o tratamento medicamentoso (LARA, D. 2004).
Materiais e Métodos
Este estudo de caráter descritivo e analítico foi realizado em consultório particular, na cidade de Palmas-TO, durante o ano de 2009. A amostra foi composta por 369 sujeitos, após triagem realizada utilizando-se de anamnese estruturada e clínicos exames laboratoriais; os dados foram coletados durante o período de 2007/2008, e os sujeitos foram medicados com medicação controlada, tais como Estabilizadores de Humor (ver tabelas 1 e 2).
Resultados e Discussões
A análise dos dados foi feita utilizando Excel® 2003 para Windows®, e o pacote estatístico SPSS® versão 13 para Windows®. A amostra foi composta por 329 sujeitos (91,6%) vindos da rede particular e 30 sujeitos da rede pública (8,4%). Quanto ao gênero, 73% dos casos foram de mulheres (262 casos). A distribuição em relação ao estado civil foi 86,4% solteiro (a) (305 casos), 3,7% casado (a) (13 casos), 7,1% separado (a) (25 casos) e 2,8% viúvo (a) (10 casos). Não foi possível determinar o estado civil de 6 sujeitos. Quanto á origem, caráter sócio demográfico 40,1% (140 sujeitos) são naturais do estado de Tocantins, e 59,9% (209 sujeitos) de outros estados. Não foi possível determinar a naturalidade de 10 sujeitos. 76,3% (273 sujeitos) moravam em Palmas, TO, e 23,7% (85 casos) em outras cidades sendo que 185 casos (51,5%) apresentavam história familiar de algum transtorno mental.Em relação ao uso da medicação: 24,9% (88 sujeitos) estavam fazendo uso de um medicamento; 45% (159 sujeitos) faziam uso de dois medicamentos e 22,1% (78 casos) faziam uso de três medicamentos. Finalmente, 7,9% (28 casos) utilizavam quatro medicamentos. Não foram obtidos dados sobre medicamento utilizados em 6 sujeitos.Quanto ao histórico psiquiátrico: 27 sujeitos (7,5%) apresentaram internações prévias. Destes 10% (36 casos) apresentavam algum déficit cognitivo, sendo que destes 60,2% (209 sujeitos) foram diagnosticados com THB I, e 39,8% (138 sujeitos) com THB II. Não foram obtidos dados sobre o diagnóstico em 12 [46] sujeitos. Quanto a gravidade dos sintomas: 21,4% (77 sujeitos) apresentaram ideação suicida, 13,6% (49 sujeitos) apresentaram tentativas de suicídio, e 64,9% (233 sujeitos) não apresentaram nenhuma destas condições.
Dificuldades e limitações do estudo
A partir desta tabela de resultados tentou-se verificar se existiam diferenças entre os pacientes com THB I e II. Foi realizada somente uma análise exploratória e foi necessária a retirada de alguns sujeitos que não tem diagnóstico (ficou faltando na tabela). Talvez exista alguma diferença em um ou dois tipos de medicamentos, porém, não há o resultado preciso, pois demandaria reestruturar-se a base de dados. Sugere-se, então, que em futuros estudos explore-se essa possibilidade, como também a possibilidade de essas diferenças entre os pacientes de um e outro diagnóstico a apresentem também.
Considerações finais
Apesar das limitações do estudo, uma interessante hipótese levantada é a de que se os estabilizadores de humor fossem usados em associação com outras medicações como antipsicóticas aliadas e sem a interferência de outras drogas, os benefícios para os sujeitos com THB não seriam mais aparentes, por não haver contaminação pelas mesmas. São necessários mais estudos com metodologia ampliada multicêntrica, para comparar os resultados terapêuticos com achados neuroquímicos clarificando mais ainda estas hipóteses levantadas.